quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O Sr. não faz mais crítica (de arte) por falta de espaço?

Eu faço crítica, sou crítico de arte, mas algumas coisas eu ignoro. O cara vai lá fazer larva de mosca, e eu isso? Não entendo deste assunto, não posso escrever "esta larva está muito boa, está ótima". Isto não é assunto de arte, é assunto para biólogo. Vinte ovos fritos cada um num prato expostos numa galeria. Eu não tenho nada a ver com isso, isso é uma bobagem, algo que foi inventado gratuitamente. O cara não precisa saber pintar, desenhar, esculpir, nem pensar nada, só precisa ter uma boa idéia. Chamo isso de Caninha51 [risos]. Encontrei uma moça que estava indignada porque o museu estava mostrando uma obra que era cópia da dela. Eu perguntei qual era a obra de arte e ela respondeu: "são séries de cordas com nós, fui eu que inventei". Ah, você inventou o nó na corda? [Risos]. Lá no Maranhão, os barqueiros usam muito sua técnica, não sabia que você tinha inventado. Realmente é piada, não é?

Talvez faça parte da liberdade de formalismo que guia a arte contemporânea.

Não, isto é uma besteirada, um falso populismo, falsa democracia. É proibido proibir? Não é. Tem que proibir, a civilização existe porque há proibições, senão vou lá cagar na tua sala. É tudo hipocrisia. Lembro de um cara liberal pra caramba que, quando soube que a filha dele estava transando com o namorado queria matar a mulher [risos]. Lá em Buenos Aires, ele falava "porque o sexo é livre" etc. Livre para comer a filha dos outros! É uma grande hipocrisia. Os críticos defendem o ovo frito e outras coisas porque eles têm medo que digam que são retrógrados e ultrapassados. Por isso, cria-se essa patotinha de artistas que são tão agradados, enquanto tem pintores maravilhosos que ninguém conhece. Eu conheço um ótimo gravurista que, depois de tentar, tentar e não conseguir expor, começou a juntar pedra no sítio do pai e expor pedra, e aí começou a ganhar dinheiro.

Por isso, a última Bienal de São Paulo não tinha nenhuma pintura?

A melhor Bienal que já houve foi essa, que reconheceu que não há nada a expor na boa arte. Se a Bienal de Arte Contemporânea está vazia, é isso mesmo. Só que a história não dura apenas cinco décadas. Muitas das coisas tidas como sendo de qualidade há um século atrás hoje desapareceram. Quem carrega as coisas é o povo, e o que não fala às pessoas pode estar na moda hoje, mas, daqui a cinquenta anos, desaparece.

Trecho de entrevista concedida por Ferreira Gullar à revista Dasartes, edição de agosto/setembro de 2009.

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